Resenha #27 - A Hora da Estrela
- João Andrade
- 12 de fev. de 2015
- 3 min de leitura
Título(s) original: A Hora da Estrela ou A culpa é minha ou Ela que se arranje ou O direito ao grito ou Quanto ao futuro ou Lamento de um blue ou Ele não sabe gritar ou Uma sensação de perda ou Assovio no vento escuro ou Não posso fazer nada ou Registro dos fatos antecedentes ou História lacrimogênica de cordel ou Saída discreta pela porta dos fundos
Páginas: 87
Autora: Clarice Lispector Editora: Rocco Assunto: “Maca rainha”

Em seu último romance, publicado em vida, Clarice abandona o intimismo comum de sua obra para abordar de uma forma, paradoxalmente, periférica e profunda, a vida de uma retirante alagoana. A história é narrada pelo escritor Rodrigo S.M., que observa e discorre sobre uma criatura, que nem acreditava ser gente, mas viria a ser um dos maiores ícones da literatura brasileira, Macabéa.
Em resumo, como a própria Clarice apontou em sua primeira e única entrevista, A Hora da Estrela é "a história de uma moça, tão pobre que só comia cachorro quente. Mas a história não é só isso, é sobre uma inocência pisada, sobre uma miséria anônima.". Inocência e Miséria são as duas palavras chaves para entender essa obra prima.

Macabéa nada mais representa que a própria inocência, ela é pura demais para o mundo e por esse motivo ela não o compreende e vice-versa. A protagonista do romance com "treze nomes, treze títulos", tem muito em comum com sua criadora. Clarice, nascida na Ucrânia, cresceu no nordeste brasileiro, mesmo tendo se mudado para o Rio de Janeiro já com 14 anos ela continuou se considerando Pernambucana, ou seja, nordestina como sua personagem. Maca também, como Clarice, recebera uma sentença de morte, respectivamente, uma diagnosticada com tuberculose e a outra, câncer.
A miséria perpassa ao longo de todas às 87 páginas. O sofrimento dolorido de uma criatura que nem fazia parte da sociedade; que quase ninguém conhecia e quem conhecia não dava falta. As lembranças que Macabéa tem dos cascudos que levou da tia são lembretes da dor física em meio a continua dor espiritual, a qual ela tenta curar com aspirinas.

A Hora da Estrela é um daqueles livros que não importa quantas vezes você releia sempre vai haver mais e mais camadas para serem descobertas. Cada leitura mostra novas facetas renovando-o e promovendo uma redescoberta pessoal por parte de quem o lê. Heráclito dizia: “Ninguém desce duas vezes o mesmo rio”, e eu digo: Ninguém lê duas vezes A Hora da Estrela, o livro é sempre outro e o leitor também.
Rodrigo S.M. é um espetáculo a parte, mesmo dividindo cena com Macabéa, ele se sobressai através de suas divagações tanto pessoais quanto sobre a vida da retirante. Como ele mesmo diz, ele explode em vários momentos da narrativa por que a história da alagoana transborda sentimentos dentro dele e arrependimentos por nunca tê-la alcançado. É tudo tão palpável que nós explodimos juntos. Nasce e se desenvolvem no leitor um desejo inato de chegar até Macabéa, de salvá-la de si mesma e, estranhamente, salvá-la de sua inocência.

Pouco depois de chegar ao Rio de Janeiro, Maca começa a se abrir para o mundo. Ela encontra um trabalho de datilografa, no qual não é muito boa; passa a viver numa pensão com outras mulheres, onde se torna assídua à Rádio Relógio, seu grande companheiro; faz uma amizade passivo-agressiva com Glória, sua colega de trabalho; e até arranja um namorado, Olímpico de Jesus, homem ambicioso que almeja subir na vida mais que qualquer coisa.
Clarice, após um experiência com uma cartomante, resolveu levar sua vivência para dentro do livro e é assim que ela fecha magistralmente essa obra. Apesar de já não ser novidade prefiro não ir além, a fim de evitar spoilers. Mas é impossível concluir essa resenha sem comentar o desfecho genial no qual a estrela da Mercedes encontra com a estrela de Macabéa e o momento que ela passa a ser notada; a fazer parte; a ser a estrela que ela tanto desejou.

Em 1985 o filme ganhou uma adaptação cinematográfica dirigida por Suzana Amaral e protagonizada por Marcélia Cartaxo. Um retrato visual digno do livro muito elogiado e ganhador de prêmios nacionais e internacionais.
A Hora da Estrela é uma peça fundamental da literatura nacional, a qual deveria ser leitura obrigatória para todos os brasileiros. Um livro curto, mas com uma profundidade inalcançável; acessível, mas impossível de ser completamente compreendido. Um verdadeiro paradoxo em papel e tinta escrito por uma das mulheres mais fascinantes da literatura mundial.
E você, já leu A Hora da Estrela? Gostou? Divida sua opinião conosco!
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