Resenha #20 - Vidas Secas
- João Andrade
- 4 de dez. de 2014
- 4 min de leitura
Título original: Vidas Secas
Páginas: 176 Autor: Graciliano Ramos Editora: Record Assunto: "Reumanização"
Outra resenha do Desafio dos Clássicos do Vestibular e esse é provavelmente o meu favorito da lista:
Vidas Secas é um livro que a fama precede a realidade. O estigma de clássico da literatura passa uma ideia errônea de que o livro é chato ou difícil, no entanto é exatamente o contrário. A escrita de Graciliano é como as vidas descritas no livro: simples e seca. Ele narra sem rodeios ou transcrições ornamentadas a história de Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais velho, o mais novo e baleia. Personagens de uma narrativa despretensiosa que se tornaram ícones da cultura brasileira. A escrita concisa, que visa fazer uma critica social mais objetiva e clara, é um dos principais motivos por esse livro ser tão fantástico.

O livro é um dos expoentes do Regionalismo de 30, como ficou conhecida a prosa na 2º fase do Modernismo. Fase em que os ideais do Modernismo já estavam mais maduros, ou seja, foi um período com bem menos excessos que as outras fases e que se concentravam em produções mais voltadas a uma região especifica do país: o Sertão.

Provavelmente você já sabe, mas Baleia é uma cachorra, e essa é uma das mais incríveis ironias metafóricas no contexto do livro. Aparentemente, o tempo que ele poupou escrevendo o livro de uma forma popular ele investiu criando uma narrativa rica em multiplicidades interpretativas e criticas acidas. O que você talvez não saiba é que Baleia, apesar de ser uma cachorra, ela é um dos personagens mais centrados e conscientes da história. As constatações do animal de estimação da família são mais sensatas que a de seus próprios donos.
Um aspecto muito forte do livro é a animalização dos personagens. Logo no inicio do livro os personagem são bestializados, ou seja, descritos como animais que se comunicam através de sons guturais e de aparência grotesca. Há inclusive uma parte em que Sinha Vitória lambe o focinho de Baleia para sentir o gosto do sangue do preá que a cachorra capturou. No entanto, ao longo da história eles vão lentamente recuperando sua humanidade, alguns mais devagar que outros. O que me agradou nisso foi ver justamente esse transformação pela qual os personagens passaram.
Por outro lado, senti um incomodo com forma desleixada com que os personagens eram jogados em situações desconcertantes e funestas. Entendo que a proposta era criticar a situação real do povo brasileiro, mas o autor nos faz desenvolver um apego forte pela família e depois os atira em posições injustas e calamitosas nos deixando com uma sensação de impotência. É,inegavelmente, admirável a capacidade do autor de construir esse cenário de forma tão palpável, contudo em alguns momentos era tudo tão bruto e ao mesmo tempo verdadeiro que eu me sentia desconfortável.

A história é contada em 3º pessoa por um narrador oniciente e onipresente, que vai passeando dentro da consciência de todos os 5 protagonistas (sim, baleia também tem sua visão dos fatos explorada e diga-se de passagem são trechos fascinantes que agregam grande valor a história). Mas, como nem tudo são flores, no começo é meio difícil acompanhar esse passeio do narrador já que as interrupções são feitas aleatoriamente e de forma imprevisível. Em um parágrafo estamos na cabeça de Fabiano na cidade, em outro na de Sinha Vitória dentro da casa, no seguinte na de baleia brincando com os meninos e assim segue (claro que eu dei uma exagera, mas é para vocês já pegarem o espírito da coisa). Com tempo você vai se acostumando com isso e começa a reconhecer as identidades antes mesmo de o narrador identifica-las oficialmente.
A sinopse geralmente é contada como a trajetória sofrida de uma família que foge da seca, tudo muito enfeitado e dramatizado. Mas, a meu ver a história é muito mais do que isso, é a jornada de uma família encontrando sua humanidade, mais especificamente é a história de Fabiano se humanizando. Isso tendo em vista a forma com que o livro começa e como acaba. Dramas extremamente tangentes (e choráveis) levam o vaqueiro e sua família a se tornarem os humanos que não eram no começo. São seres que logo na primeira página rugem uns aos outros e na última, depois de encontrarem suas vozes, estão conversando sobre o futuro que antes não existia.
(Só pra mó de acabar como as outras) É mais um dos livros de leitura obrigatória de vestibulares por todo país e principalmente no nordeste, mas não se deixem levar pelo estigma. Vidas Secas é um livro fantástico e carregado de uma simplicidade linguística, que, no caso, cabe à narrativa de forma impecável. Tornou-se um dos meus livros favoritos e Graciliano entrou para minha lista de autores para serem relidos. Já estou de olho em São Bernardo e Memórias de um Cárcere, talvez não esse ano, mas podem esperar pelas resenhas no ano que vem!
Já leu Vidas Secas ou outros livros de Graciliano Ramos? Deixe aqui suas opniões e indicações!
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